- Filósofo e escritor francês diz que modelo recente de urbanização está ‘devorando áreas verdes’
De que forma os espaços verdes podem contribuir para uma maior harmonia do conjunto urbano?
As cidades não podem ser compreendidas somente como um conjunto de edificações que servem como residências ou escritórios. Temos também os espaços abertos, como ruas e praças, onde são inseridas as áreas verdes. O grande problema das aglomerações urbanas ocorre quando deixamos totalmente de lado um fator externo: a natureza, que está sempre ao nosso redor. Infelizmente, o que temos visto nos últimos tempos é um movimento de urbanização que está se fechando em si mesmo, devorando as áreas verdes e os espaços abertos. O modo de vida urbano tem a tendência de se virar contra a natureza. A vida em comunidade, no entanto, exige que tenhamos estes espaços comuns.
O Rio vive um momento de grande valorização imobiliária. O que fazer para proteger e ampliar as áreas verdes?
Este é um fenômeno que pode ser visto em diversas partes mundo, tanto na Europa como na América Latina. Hoje, ainda se vive uma época em que as cidades recebem muitas pessoas, e cada cidadão tem a necessidade de acesso a uma propriedade. No caso do Rio, a cidade se prepara para grandes eventos, como a Copa do Mundo e os Jogos Olímpicos, e vem se tornando cada vez mais cara. Nesse contexto, a grande questão é a falta de unidade na hora de pensar a expansão da cidade. Temos exemplos de bairros que respeitam os espaços verdes, mas eles são minoria: formam uma espécie de enclave no conjunto urbano. Dessa forma, penso ser necessária a ação forte do governo para promover uma expansão ecológica da cidade. Se isto não for feito, continuaremos a ver bons exemplos isolados, que crescem à margem da expansão urbana desenfreada. A proteção dos espaços verdes não pode ser feita de maneira fragmentada. É necessária uma unidade.
O Rio tem exemplos de oásis verdes em meio ao caos urbano, como o Jardim Botânico, o Parque do Flamengo e o recente Parque Madureira. Qual o legado dessas áreas para o conjunto da cidade?
O Rio é uma cidade única, com a presença muito forte da natureza. Quando se chega à cidade por navio ou avião, é algo que impressiona. Mesmo dentro dos bairros, a marca da natureza está presente, com as montanhas emergindo por detrás dos prédios. Na Europa, em especial no caso da França, a presença de parques clássicos, como os três citados, é um pouco mais forte. Mesmo assim, o Rio possui uma variedade de paisagens muito grande. O Parque do Flamengo pode ser considerado um pouco mais clássico, ao estilo europeu, mas a cidade não se restringe a isso. Quando se sai da cidade por estradas, é possível andar ao redor de áreas ainda cobertas por florestas, o que é incomum na Europa. Esses três espaços, por serem diferentes entre si, contribuem para reforçar essa visão de uma cidade bastante diversa.
No caso do Parque Madureira, que fica em uma região menos valorizada da cidade, ele pode servir para um processo de revitalização do bairro?
Não conheço pessoalmente o parque. Pretendo ir lá no domingo, antes de voltar para a França. No entanto, acredito que ele pode servir como um local de transição entre as áreas que estão à margem e os locais mais valorizados da cidade. Pode abrir portas para um caminho alternativo, mais verde, nas áreas periféricas.
Quais os outros desafios que as cidades brasileiras devem enfrentar para preservar os espaços verdes?
As cidades brasileiras precisam achar a melhor forma de lidar com as variedades de seus espaços verdes e estimular a preservação deles. Algo que deve ser evitado, a meu ver, é seguir o modelo americano. Nos Estados Unidos, é comum ver as áreas preservadas no entorno das grandes aglomerações urbanas, tais como o Parque de Yellowstone. A reflexão que deveríamos fazer é se não seria possível trazer — ou manter — essas áreas dentro do espaço urbano. Aqui, muito mais que na Europa, é possível encontrar esses espaços. O que se precisa é desenvolvê-los. Um exemplo que pode ser seguido é Berlin, na Alemanha, que soube fazer isso no passado e hoje desfruta de um ambiente urbano bastante agradável.
De que forma a experiência paisagista francesa pode inspirar cariocas e brasileiros?
Os grandes paisagistas franceses refletiram muito sobre a maneira como os parques e espaços públicos se inserem dentro do contexto da cidade, especialmente nos anos 1960 e 1970. Isso pode servir de inspiração, especialmente agora que o Brasil atravessa um período de grande desenvolvimento econômico, muito mais forte do que a França nos anos do Pós-Guerra. O processo na França está um pouco mais maduro. Mas acredito que é uma via de duas mãos: temos muito a aprender com os brasileiros também.
O problema, então, não se restringe à construção de novos parques...
Os parques são lugares onde os habitantes vão caminhar, respirar um ar puro. Acho incrível a iniciativa de se fechar o Parque do Flamengo aos domingos para os carros. Durante a noite, no entanto, tudo volta ao normal, e prioriza-se os carros. Esse pensamento que está errado. As cidades, especialmente nos países em desenvolvimento, possuem uma série de desafios a enfrentar. O principal deles é encontrar melhores maneiras de locomoção para seus habitantes. Talvez seja uma discussão mais ampla sobre o nosso modelo de crescimento. Temos de pensar em formas de desenvolvimento mais sustentáveis.
http://oglobo.globo.com/rio/expansao-verde-em-debate-vida-em-comunidade-exige-espacos-comuns-7765699#ixzz2MrIAiwoQ
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